7 de setembro de 2006

palco meu


soava o tango no reflexo do espelho
caras de sublime perfeição
de alegria inocente
os saltos levantavam o pó na velha madeira
que se deixava atravessar pela luz cor de sol
que as lamparinas deixavam escorrer
e que as ventoínhas douradas no tecto faziam dançar
o som do bater nas longas réguas de pinheiro
marcadas pela idade dos que sempre as calcaram
com os pés, com o ritmo do corpo, com a vida
os quadros nas paredes eram simples
de formas banais, mas de cores espontâneas
sorteadas pela mão de quem os pintou
o tecto está agora velho, cheio de humidade
cheio de rugas que perigam os pares da música
o velho lustre condensou o mofo com a saudade
perdendo o seu precioso tesouro
escurecendo um pouco mais este lugar
onde tantas vezes provoquei o entusiasmo nos espectadores
ai aquelas faces de êxtase com as cores de cinema nos olhos
aquele tremelicar de um frenesim inexplicável
que só eu conseguia provocar
tenho saudades de morte deste espaço
este palco onde dançava sem medos e sem pudores
fazia de qualquer mulher a mais desejada
só por ser meu par uma noite
estou agora velho, mal tenho força nas pernas
mas continuarei a dançar na minha visão, no meu tacto, olfacto
será imaginário mas real para o meu desejo
enquanto respirar hei-de sempre lembrar-te como o meu primeiro amor
ó palco da minha virtude!