24 de agosto de 2017

contei-te

fizemos um relógio.
um relógio que contava a partir do nada.
um instrumento perfeitamente armado, mas imperfeito.
não contava os segundos, nem os minutos ou as horas.
calculava os dias, as semanas e os meses.
uma enumeração confusa e pouco matemática,
uma mecânica irreversível e incontornável.
o meu relógio balbuciou, hesitou e doeu.
era o nosso relógio que parou.
o meu relógio perdeu-se no seu próprio tempo.
era um nosso relógio que resfriou.
parou no três.
começou do nada, mas parou na raiz quadrada.
de mãos apertadas, e sós, tentamos contar,
desnorteados, até ao quadrado do seu tempo,
sabendo que seremos esmagados pela imperfeição,
pela incapacidade de saborear o quanto estava cronometrado.
parou num três, mas devia contar um nove...
este relógio está estragado e podre e vamos deitá-lo fora.
não sabemos se seria um relógio leve ou pesado ou lindo ou feio,
mas sabemos que o guardaríamos junto ao peito até os nossos pararem.