26 de janeiro de 2010

poupem-te

Cuspo-te pensamentos impacientes pois já não sou capaz de gritar.
Deixo-te coberta de saliva, de salpicos ensanguentados.
Bolço-te porque a garganta não solta palavras, apenas sonância.
Sons abafados e tão ásperos quanto a minha capacidade.
Já não há mais voz, mas grito. Grito sem ser capaz de gritar.
Grito-te como se o fim do mundo dependesse das minhas cordas vocais.
Grito mas não me faço ouvir. Faço-me ouvir, mas não te escuto resposta.
Esperneio do que resta da minha saúde. Sovado.
Das forças que evito à evaporação. Tosado.
Vejo-te, dorido, na tua própria dor.
Vejo-te mas não me vês,
Amarrada e vendada e amordaçada na minha frente.
Que te salvem.
Que me transformem num monte de carne negra, moída, odorante, mas que te poupem. Desta minha tortura, tu e eu, nossa, que te salvem.
A ti, eu escolho. A ti, eu salvo.
Que te salvem enquanto apenas posso gritar no silêncio da minha captura.